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Little Drop of Poison

veneno avulso com antídoto incorporado

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Little Drop of Poison

28
Dez06

A minha mulher a dias

antídoto
A Maria (nome fictício porque na realidade se chama Ilda), é uma daquelas mulheres de idade indefinida, que tanto pode ter 25 como 45 anos, rechonchuda, vermelhusca e introvertida.
A nossa relação, já com 16 anos, começou de forma sui géneris. Eu durmo nu, era Verão e esqueci-me que ela ‘vinha aí’. Levantei-me e quando entrei na cozinha ouvi um “AI JESUS!!!” que me fez arrepiar caminho em 2 segundos.
Desse dia tenho duas lembranças bem vivas, a dor excruciante que senti quando, ao bater em retirada, acertei com o dedo mindinho do pé direito na ombreira da porta e a perplexidade, já que nunca ninguém tinha chamado Jesus ao meu amiguinho (tá aqui um belo tema para um post).
Sobrou ainda uma dúvida: terá sido por causa desta acontecencia que ela só há bem pouco tempo me começou a dirigir a palavra?
Desde cedo tentei atenuar o constrangimento que ela pudesse estar a sentir (já que eu sou um gajo sem um pingo de vergonha na cara). Fiz conversa, ia dizendo umas larachas, mas nada. Cheguei ao ponto, vejam bem, de a começar a tratar por fada (fada do lar, obviamente), o que ainda hoje acontece, mas nada. Não sei que raio é que a mulher pensou mas arriscar a abrir a boca é que ela não arriscava.
A fada é uma daquelas profissionais da higiéne e limpeza que é um verdadeiro perigo. Não há papel, livro, CD, seja o que for que fique por cima das mesas que ela não arrume. E tão bem arrumado que nunca mais se encontra. Ao ponto de, ao longo destes anos, me ter exasperado dezenas de vezes, quando procuro, sem encontrar, a conta para pagar, o livro que estava a ler, tudo o que preciso e que ela, verdadeira fada, faz desaparecer.
E foi este facto que, três meses depois do primeiro, provocou o segundo trauma na nossa relação (não sei porquê, mas não me está a soar bem chamar-lhe relação).
Farto de todas as quartas-feiras, dia em que vem a Maria, não encontrar o que precisava, disse-lhe algo como “ó fada, há-de dar-me o seu número do telemóvel”.
Espanto, pavor, ela ruborizou, arquejou, apoiou-se na bancada da cozinha e ali ficou a olhar para o chão e a respirar golfadas de ar pela boca.
Julguei prudente dar-lhe espaço, afastei-me e, quando regressei junto dela, lá conseguiu articular entre dentes “vou pensar…”.
Vou pensar? VOU PENSAR??!!! Nananinanão, chegue lá aqui, Maria, sente-se e preste atenção. E lá discorri sobre o ela ser uma escondideira e o meu único intuito ser a oportunidade de lhe ligar e perguntar onde teria ela escondido, digo, arrumado aquilo que tinha escondido, digo, arrumado.
Os anos passaram e a fada não mudou, acho que tem a ver com a genética.
A última dela: Eu tinha... quer dizer… se calhar tenho… heee… não sei bem…, adiante, eu tinha uma gatinha com 6 meses chamada Lena (sim, eu disse Lena, o nome não é fictício).
Adorava aquela bichinha que todos os dias me vinha esperar à porta e me seguia pela casa toda.
Um dia não veio. Procurei a Lena, chamei pela Lena, corri tudo, vi em todo o lado e nada. Como é que o animalzinho se tinha esfumado assim, sem deixar rasto, de um 4º andar?! Perguntei aos vizinhos, pus a hipótese de ter caído da varanda, saí, vasculhei, inquiri, nenhuma pista.
Em desespero de causa liguei à Maria. Pois que não, pois que quando saiu a Lena estava em casa, pois que tinha a certeza absoluta…
Ufa, fiquei mais descansado. É que assim fiquei com a convicção que um dia ainda a vou encontrar, talvez dentro de um livro ou no fundo da gaveta das cuecas.

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