21
Jan07
O alfinete de gravata
antídoto
Tinha eu os meus 15 ou 16 anitos e decidi ir ao cinema com os amigos.
Era um Domingo à tarde e já não me recordo de qual era o filme, apenas que era um daqueles que toda a gente quer ver.
Naqueles tempos os filmes chegavam à província com um ou dois meses de atraso relativamente à sua estreia, em Lisboa, daí que combinámos ir bem cedo para evitar a fila na bilheteira.
Fomos dos primeiros a adquirir as entradas e ficámos na rua, a conversar e a fazer tempo.
Entretanto a fila ganhou uma dimensão considerável, pelo que tivemos que a atravessar para entrar.
Eu estava a fumar, pedi licença, mas, quando ia a passar, um recuo súbito da pessoa à minha direita fez-me tocar com o borrão do cigarro na gravata de seda do senhor à minha esquerda.
Fiquei aflito, pedi mil desculpas, mas o homem foi simpatiquíssimo. Descansou-me, disse-me que são coisas que acontecem, aconselhou-me a deixar de fumar, enfim, um gajo porreiro.
Lá entrei e vi, descansadamente, a primeira metade do filme.
No intervalo saímos e estávamos a discutir, animadamente, as ocorrências, quando vejo o senhor da gravata a aproximar-se, acompanhado por dois polícias.
Chegam junto a nós, ele aponta-me e diz, “foi este aqui”.
Fico aparvalhado e acagaçado, não sabia o que se estava a passar. Notem que naquele tempo o respeito pelos mais velhos em geral e pela autoridade em particular era uma regra imposta pela educação. E, no que respeita à autoridade, o respeito era acompanhado por um temor reverente.
Comecei a gaguejar que tinha sido sem querer, que pagava a gravata, mas um dos polícias agarrou-me por um braço, mandou-me calar e perguntou com voz dura:
- Roubaste o alfinete de gravata deste senhor?
- Roubar??!! Não, não, eu não roubei nada, não fui eu.
- É melhor p’ra ti confessares já.
Imaginem a vergonha e humilhação, um miúdo agarrado pela polícia no átrio de um cinema cheio de gente, que nos começou a rodear para melhor apreciar o segundo filme da tarde.
Fui quase arrastado para a rua, metido num carro-patrulha e levado para a esquadra.
Aí chegado, empurraram-me com brutalidade para dentro de uma sala, onde fui revistado e interrogado como se fosse um qualquer malfeitor, com um ou dois sopapos à mistura.
- Confessa que é melhor!
- Não fui eu!
- A quem é que passaste o alfinete?
- Não passei nada, não roubei nada.
- Vais parar a um reformatório que até te lixas!
Já estava quase a desmanchar-me a chorar quando entra um oficial mais bem formado (ou será que era o polícia bom, como se vê nos interrogatórios dos filmes?) que manda os outros saírem, pede que me dêem um copo de água, me acalma e começa a repetir-me as perguntas, só que desta vez de uma forma delicada.
Passados alguns minutos manda chamar o senhor da gravata, reconfirma toda a estória e, num dado momento, pergunta-lhe se tem a certeza que tinha posto o alfinete, antes de sair de casa.
O homem confirmou que sim, que o alfinete era de ouro, tinha sido um presente da falecida esposa e que, tal como as duas alianças que usava na mão esquerda, era um acessório de uso diário, nunca saia de casa sem ele.
Mas, depois de alguma insistência, lá se decidiu a ligar para casa.
- Está lá?! É o pai, faz-me um favor filha, vai ao meu quarto e vê se lá está o meu alfinete de gravata.
Passado um minuto desligou e olhou para mim com cara de culpa.
- Ai desculpa, não sei como é que isto aconteceu…
Agora foi a vez dele de ouvir das boas, do polícia bom. Fui acalmando enquanto ouvia, deliciado, o verdadeiro raspanete que o homem estava a levar. Mas de repente apercebi-me que aquilo ia ficar por ali mesmo, lembrei-me dos olhares acusadores no cinema, do susto, da humilhação e cheguei-me à frente.
- Desculpe, senhor guarda, mas agora sou eu que quero apresentar uma queixa, fui enxovalhado, envergonhado, isto não fica assim.
Claro que me tentaram demover, mas quanto mais pensava mais furioso ficava e não cedi.
Finalmente o homem puxa da carteira, saca de uma das antigas notas de 1.000 escudos e diz que lamenta muito, que pede desculpa, mas que espera poder ressarcir-me do embaraço.
Ainda fiquei mais furioso, então o sacana faz-me passar por aquela vergonha e agora espera comprar-me com mil paus?! Disse-lhe na cara que a gracinha ia sair-lhe muito mais cara.
Juntou-se um coro de gente a aconselhar-me a deixar aquilo assim mesmo, mas eu estava decidido. O homem, vendo a vida a andar para trás, vai tirando notas da carteira e, finalmente, acena-me com dez milenas à frente dos olhos.
Meus amigos, eu sei que é triste, mas 10 contos naquele tempo?!
Era muito dinheiro e confesso que já só pensava em tudo o que poderia comprar e fazer com ele. Lá estiquei a mão para o dinheiro mas… nunca tive sorte nenhuma.
Foi aí que bati com o braço na mesinha de cabeceira e acordei.
Naqueles tempos os filmes chegavam à província com um ou dois meses de atraso relativamente à sua estreia, em Lisboa, daí que combinámos ir bem cedo para evitar a fila na bilheteira.
Fomos dos primeiros a adquirir as entradas e ficámos na rua, a conversar e a fazer tempo.
Entretanto a fila ganhou uma dimensão considerável, pelo que tivemos que a atravessar para entrar.
Eu estava a fumar, pedi licença, mas, quando ia a passar, um recuo súbito da pessoa à minha direita fez-me tocar com o borrão do cigarro na gravata de seda do senhor à minha esquerda.
Fiquei aflito, pedi mil desculpas, mas o homem foi simpatiquíssimo. Descansou-me, disse-me que são coisas que acontecem, aconselhou-me a deixar de fumar, enfim, um gajo porreiro.
Lá entrei e vi, descansadamente, a primeira metade do filme.
No intervalo saímos e estávamos a discutir, animadamente, as ocorrências, quando vejo o senhor da gravata a aproximar-se, acompanhado por dois polícias.
Chegam junto a nós, ele aponta-me e diz, “foi este aqui”.
Fico aparvalhado e acagaçado, não sabia o que se estava a passar. Notem que naquele tempo o respeito pelos mais velhos em geral e pela autoridade em particular era uma regra imposta pela educação. E, no que respeita à autoridade, o respeito era acompanhado por um temor reverente.
Comecei a gaguejar que tinha sido sem querer, que pagava a gravata, mas um dos polícias agarrou-me por um braço, mandou-me calar e perguntou com voz dura:
- Roubaste o alfinete de gravata deste senhor?
- Roubar??!! Não, não, eu não roubei nada, não fui eu.
- É melhor p’ra ti confessares já.
Imaginem a vergonha e humilhação, um miúdo agarrado pela polícia no átrio de um cinema cheio de gente, que nos começou a rodear para melhor apreciar o segundo filme da tarde.
Fui quase arrastado para a rua, metido num carro-patrulha e levado para a esquadra.
Aí chegado, empurraram-me com brutalidade para dentro de uma sala, onde fui revistado e interrogado como se fosse um qualquer malfeitor, com um ou dois sopapos à mistura.
- Confessa que é melhor!
- Não fui eu!
- A quem é que passaste o alfinete?
- Não passei nada, não roubei nada.
- Vais parar a um reformatório que até te lixas!
Já estava quase a desmanchar-me a chorar quando entra um oficial mais bem formado (ou será que era o polícia bom, como se vê nos interrogatórios dos filmes?) que manda os outros saírem, pede que me dêem um copo de água, me acalma e começa a repetir-me as perguntas, só que desta vez de uma forma delicada.
Passados alguns minutos manda chamar o senhor da gravata, reconfirma toda a estória e, num dado momento, pergunta-lhe se tem a certeza que tinha posto o alfinete, antes de sair de casa.
O homem confirmou que sim, que o alfinete era de ouro, tinha sido um presente da falecida esposa e que, tal como as duas alianças que usava na mão esquerda, era um acessório de uso diário, nunca saia de casa sem ele.
Mas, depois de alguma insistência, lá se decidiu a ligar para casa.
- Está lá?! É o pai, faz-me um favor filha, vai ao meu quarto e vê se lá está o meu alfinete de gravata.
Passado um minuto desligou e olhou para mim com cara de culpa.
- Ai desculpa, não sei como é que isto aconteceu…
Agora foi a vez dele de ouvir das boas, do polícia bom. Fui acalmando enquanto ouvia, deliciado, o verdadeiro raspanete que o homem estava a levar. Mas de repente apercebi-me que aquilo ia ficar por ali mesmo, lembrei-me dos olhares acusadores no cinema, do susto, da humilhação e cheguei-me à frente.
- Desculpe, senhor guarda, mas agora sou eu que quero apresentar uma queixa, fui enxovalhado, envergonhado, isto não fica assim.
Claro que me tentaram demover, mas quanto mais pensava mais furioso ficava e não cedi.
Finalmente o homem puxa da carteira, saca de uma das antigas notas de 1.000 escudos e diz que lamenta muito, que pede desculpa, mas que espera poder ressarcir-me do embaraço.
Ainda fiquei mais furioso, então o sacana faz-me passar por aquela vergonha e agora espera comprar-me com mil paus?! Disse-lhe na cara que a gracinha ia sair-lhe muito mais cara.
Juntou-se um coro de gente a aconselhar-me a deixar aquilo assim mesmo, mas eu estava decidido. O homem, vendo a vida a andar para trás, vai tirando notas da carteira e, finalmente, acena-me com dez milenas à frente dos olhos.
Meus amigos, eu sei que é triste, mas 10 contos naquele tempo?!
Era muito dinheiro e confesso que já só pensava em tudo o que poderia comprar e fazer com ele. Lá estiquei a mão para o dinheiro mas… nunca tive sorte nenhuma.
Foi aí que bati com o braço na mesinha de cabeceira e acordei.