Coisas que não me importaria de ter escrito
Há muito que não o escutava. Há muito que me sentia desligada desta incomensurável sensibilidade e desta tão entranhante forma de estar. Há alturas assim, em que falhamos os nossos sonhos e os nossos compromissos pessoais em nome nem sabemos bem do quê. De coisas que na altura nos parecem mais provavéis, mais significativas. Mas é quando o escuro baixa nos nossos dias que tendemos a avaliar da veracidade dessas nossas opções. Nem sempre as nossas razões são plausíveis, nem sempre os nossos sonhos são justos. Normalmente, por definição, os sonhos não são justos. A vida também não. E é ela quem, tipicamente, nos cria limites e entraves que levamos uma vida toda a curar e a entender. Devia ser ilegal haver limites para os sonhos. Devia ser proibido racionalizar os nossos sonhos, adaptá-los à realidade, restringi-los a esse critério insultuoso que é a razoabilidade. Às vezes olho para trás e vejo-me cheia de garra, de guerra, de guelra no sangue. Vejo-me dona do mundo, imparável, implacável. Devo estar mesmo a envelhecer. Já não tenho o mesmo ritmo, o mesmo poder, a mesma vontade, a mesma determinação. Agora pauto-me por esse conceito miserável da razoabilidade. Não sou ou não faço porque não é razoável que o faça ou que o seja. Porque tudo e todos à minha volta, de repente, passaram a ser mais importantes ou mais pesados em termos de decisão. Já não sou só eu que conto, ja não me tenho só a mim. Agora sou eu e a minha vida, e as minhas responsabilidades e as minhas limitações e a minha imagem e a minha consciência e a minha paciência e a minha razoabilidade. Agora há livros que me ensinam a Ser e gente que me aconselha o que é melhor. Já não sou só eu e os meus livros ou os meus discos ou a minha poesia. Já não estou sozinha mas sinto-me muito mais só. Ando a dormir com livros dos outros, com músicas que não canto e esta infidelidade pesa-me por dentro como toneladas de aço que me afundam todos os dias. Quero os meus sonhos de volta. Intactos, de preferência. Com a mesma sede de viver, com os mesmos contornos, com as mesmas cores. Não quero ter que me adaptar ou ter que adaptá-los. Não quero outras escolhas que não as primeiras, não quero outras filas que não as da frente.
(suspiro)
(socorro!!!!)
Sim Jobim, eu sei. "Fundamental é mesmo amar. É impossível ser feliz sozinho"